30.7.10

The First Time

Hoje eu tentei, mas a sensação de algo entalado na garganta não foi embora - tentei me animar, depois tentei cozinhar e queimei a comida, tentei fugir do óbvio e não consegui equilíbrio, tentei sair e não consegui distração, tentei focar e não consegui fugir da angústia, tentei 2 vezes postar algo aqui: uma coisa leve e uma pesadinha, mas continuei a sentir que não tinha falado o que queria. Movi objetos de lugar, mudei paisagens, mudei fotos, mudei fundos e layouts. Nada me renovou.

Como não tenho a menor pretensão em ser algo que não sou... Mentira, tenho sim. Mas a pessoa que gostaria de me tornar não precisa necessariamente ser inteligente, nem soar descolada, nem servir de modelo a ninguém; então não preciso apagar meus erros, nem disfarçar com estilismos o que por natureza não tem estilo algum. Ou seja, por mais que não queira ser eu mesma, no fundo não preciso deixar de ser.  


O que eu preciso é a paz de espírito que nunca tive. Perdi em algum lugar, muitos anos atrás e nunca mais voltou. Eu era criança ainda e, talvez, não soubesse como achá-la.  Depois disso, na verdade nunca soube como procurar.

A divisão do dia em horas, dos dias em meses, dos meses em anos nada mais são que abstrações culturalmente impostas para efeito de contagem, classificação e ordenação. Nos acostumamos e vivemos em ciclos. 

Julho é a pior parte do ano pra mim.

Mentalmente repito que não há racionalidade alguma nisso, que os eventos passados e suas ocorrências não representam nenhuma conjuntura. Coisas piores já me aconteceram em outros meses e, de acordo com a astrologia, nem sequer é meu inferno astral.

Mas se vivemos em ciclos, onde cada Janeiro é um recomeço, Julho é meu inferno emocional. Ou melhor: é o mês do ano onde sou afetada por uma espécie de baixa imunidade psicológica, onde meu inconsciente invade sorrateiramente meu cotidiano e prega peças. Ele invade e mina minhas resistências, arrasta meus dias me mantendo presa a círculos viciosos de lembranças que jurei trancafiar.

As invasões, como em qualquer ataque viral, tem sintomas específicos que aparecem aos poucos: noites de sono longo e ruim, confusão de lembranças aleatórias pontuais - geralmente de coisas insignificantes como uma música, um cheiro, um objeto, um dia comum onde eu estava fazendo algo relativamente banal - como se minha mente achasse um pedaço único  solto de um quebra-cabeça de 3 mil peças e se desse ao trabalho de apresentá-lo, a título de pista para as 2999 que faltam. Logo começam a aparecer as peças maiores e junto com elas um misto paradoxal de sensibilidade extrema e insensibilidade externa.

Na primeira vez que isso aconteceu eu não tinha nenhum anticorpo, e caí doente. Literalmente. A vida cotidiana segue seu rumo e, inexorável como é, não permite nenhum alarde nem tempo para que se monte um quadro mental lento e doloroso. Apenas quando o corpo não aguenta mais o ataque cerebral é que o tempo perdido se torna justificável. A neblina ganha nome e personalidade: depressão.

Todo mundo tem... Todo mundo passa por isso... Todo mundo toma remédio e continua vivendo, como se nada tivesse acontecido... Pobres não tem depressão, não tem tempo suficiente pra isso... Fulano já teve e não aconteceu nada... Você exagera tudo, fica difícil acreditar... Isso é tristeza, com um nome bonito... Só serve pra vender remédio... O que importa é que você está viva...

Estou?

Nos anos seguintes tratei de tratá-la. E, como já havia gasto tempo demais (tempo, precioso tempo... Tempo é dinheiro...) não era mais justificável perder tempo com isso.

Tempo, tempo, tempo, tempo. 

Essa palavra virou a lâmina da guilhotina que paira sobre a minha cabeça, ameaçadora. O tempo perdido, um débito permanente.

Mais alguns anos empenhada em tentar viver e me ocupar com o comum para fugir do incomum. Me intoxicar de cotidiano como remédio e anticorpo. Funcionou razoavelmente e, nos Julhos que se seguiram, o quebra-cabeça ganhou uma caixa no fundo da minha consciência, quase totalmente montado, esperando poucas peças.

Mas, nos últimos anos, a - idade, cansaço, fraqueza dos velhos anticorpos, you name it  - deixaram escapar a defesa e como um vírus que desenvolve resistência aos tratamentos administrados, os ataques recomeçaram.

Neste Julho os sintomas estão tão claros que algumas vezes me peguei pensando se voltaria pro quarto escuro onde passei aquele primeiro Julho, o Julho de 1999, que na companhia de mais 8 ou 9 meses lentamente me deixaram inerte e semiviva. Pensei nos remédios que nunca tomei e nas instituições que nunca frequentei. Pensei em todos os cigarros que já fumei, em todas as noites que perdi. Pensei também na luta que tive contra esses meses de 1999 e 2000 e como ganhei deles: colocando cada peça, dolorosamente em seu devido lugar. As poucas que restaram, não precisava pois a imagem já era visível o suficiente e eu não tinha mais forças pra achar as que faltavam.

Eu não tive 18 anos. Minha vida pulou dos 17 para os 19, como um vinil arranhado antes de sua primeira execução. Esses arranhões foram causados, junto com outros, em um Julho muito distante, que hoje eu conheço como o Julho onde perdi minha paz de espírito. O Julho de 1990.

Mencionar isso me corrói por dentro e destrói tudo por fora, por que eu queria que Julho tivesse os outros significados que deveria ter - o aniversário da minha mãe, o mês onde comecei a namorar pela primeira vez, todas as férias de verão - mas não consigo. Por mais que eu tente, Julho é sempre Julho e alguma coisa se partiu tão violentamente naquele Julho de 1990 que nenhum outro Julho ficou intacto. 

Hoje eu tive que ajoelhar no fundo da minha mente e puxar essa caixa empoeirada, abri-la cuidadosamente e olhar pro quadro quase completo. Há muito tempo deixei de tentar termina-lo, mas não quero voltar ao quarto escuro, não quero sucumbir a nenhum remédio, nem perder mais tempo de vida. Também não quero terminar de montá-lo. Não faz o menor sentido tentar entender o porquê daquela imagem. Ela existe, sei como ela foi impressa, sei como se partiu, mas não quero saber o porquê. Não preciso disso.

Então o que me resta é perder apenas alguns minutos, talvez uma hora ou duas, antes de fechar novamente e recolocá-la no lugar onde ela sempre esteve. Antes que alguém pergunte, o motivo é simples: a crueldade maior desse quebra-cabeça é que se eu, um dia, terminar de montar, não significa que eu ganhei. Pelo contrário, se eu montá-lo, ele venceu. 

Eu não posso deixar ele vencer. 

Nunca.


My father is a rich man.
He wears a rich man's cloak.
Gave me the keys to his kingdom (coming), gave me a cup of gold.

He said: "I have many mansions

and there are many rooms to see."
But I left by the back door
and I threw away the key...  I threw away the key...
Yeah, I threw away the key!

And for the first time,
I feel loved.

Um comentário:

Daniel Cassus disse...

julho, o mês eterno...