28.11.10

True Faith



Estava no banheiro há 2 minutos atrás e me veio um post quase completo na cabeça. Menos de 5 passos até minha cama e me esqueci de dois terços do que ia postar. Tentarei recriar, mas o ponto de partida já era essa idéia mesmo: engraçado como quando mudamos de lugar e de posição, o pensamento se transforma.

Pela primeira vez estou experimentando postar do laptop no quarto. 

Já tive pc no quarto durante anos, mas era bem diferente: tinha uma escrivaninha (ainda aqui, mas atolada de coisas bagunçadas) com um pentium 233 velhinho, que morreu afogado quando virei uma garrafa de Iced Tea pela metade em cima dele ligado. Depois uma nova versão (montada aos poucos) ocupou o espaço, nos idos de 2005-2008, quando o escritório onde ele se encontra hoje estava em construção. Mas desde 1999, quando ganhei meu primeiro pc, sempre postava sentada (primeiro numa cadeira roubada da cozinha, depois em versões mais humildes da cadeira de escritório que tenho hoje), de frente a uma tela de, no mínimo, 14 polegadas.

Então não é de se estranhar que de lá pra cá minha escrita tenha se tornado cada vez mais pomposa, mais pretensiosa, mais formal (cof, cof). Esse deslocamento do quarto ao escritório, da cadeira improvisada à profissional revestiu o espaço da escrita de uma aura que nem sempre reflete conteúdo. As vezes me sinto uma farsa, mas uma farsa cenográfica.

Sinto isso agora ao escrever, pela primeira vez, deitada na cama: É como se tivesse deixado de lado o figurino, desmontado o personagem. Apesar do sufoco da tela de 7 polegadas e da dificuldade técnica de digitar deitada, estou menos disposta a escrever através de metáforas e alusões deliberadamente pensadas para dificultar interpretações. A máscara externa ficou no quartinho do andar de baixo. 

O foco mudou.

Aqui sou obrigada a olhar diretamente meus defeitos espalhados, meus atrasos não resolvidos e o fato de que sou dispersa demais para alguém da minha idade. Ao olhar em volta as paredes em tom lilás (não, não sei escrever o plural de lilás. Minto, sei sim. Mas lilases é uma palavra pavorosa) me causa pânico a adolescente tardia fracassada que sou.

Ok, desconsiderem o parágrafo acima. 


Esse mesmo com tons metafóricos pseudo-intelectuais. 

Vamos ao próximo.

Curiosidades aleatórias me atraem e geralmente me inspiram. Gosto de ler e observar coisas banais, detalhes pessoais jogados ao vento, volta e meia em blogs escolhidos ao acaso, fotos de humanos quaisquer em algum canto do mundo, instantâneos de comportamentos comuns e incomuns, poses e pensamentos soltos sem muita importância aparente, descrições e ocasiões de lugares e costumes iguais ou estranhos ao meu. Posso usar como desculpa o fato de que isso me desloca magicamente da minha realidade, porém vai um pouco além: acaba por ser meu vício e minha prática profissional.

Não sou stalker, nem tenho vocação para fã de carteirinha de ninguém. Pouco me importa quem come quem e quantas lipos fez. Grandes realizações e acúmulos de bens materiais também. Até acho graça de uma fofoca aqui ou ali, mas em 99% dos casos, não dou a mínima para passar mais de 5 segundos analisando a vida particular de alguém. Não tenho paciência nem para ir ao cabeleireiro e acabo cortando meu cabelo em casa para não ter que opinar sobre a última grande separação da semana.


Bom, e o que isso tem a ver com o resto?


Duas coisinhas: primeiro, quando disse que a influencia do meu trabalho parte basicamente da obsevação de costumes culturais, conjuntamente ou isoladamente, em contextos fora das camadas dominantes e dos discursos culturais simplistas, generalizantes e tendenciosos - a metodologia que uso (ou as diferentes metodologias que acabo usando) tem muito mais a ver com com blogs, redes sociais e fotologs do que com a Revista Caras. Cultura se faz na prática diária de cada um e em todas as suas representações, não somente nos grupos dominantes que buscam legitimidade. As próprias reações, de cada grupo, de cada indivíduo sempre devem ser consideradas.


Pensando nisso, imagine escrever a História do Egito Faraônico só levando em consideração os faraós e suas realizações? Considerar que, uma vez que controlavam tudo o que era dito, feito, escrito e desenhado, não havia reação... Será?


Minha proposta de trabalho era pegar esse lado esquecido e (ousar) testar se havia mesmo uma forma de driblar o que chamamos de silêncio historiográfico e imaginar o que seria a sociedade egípcia fora dos palácios e tumbas faraônicas. Não sou a única a pensar assim, mas esbarrei com um problema maior do que imaginava: o ângulo de visão daqueles que tentavam era mal posicionado.


Precisei buscar um ponto de vista diferente aqui, outro mais adiante e descobri que os ângulos nunca mudavam muito, era o mesmo blábláblá repetido e engolido ao longo de milhares de textos. Aqueles que tentavam, falavam de limites impostos, de poucos textos, e acabavam usando as mesmas desculpas que os outros que nem sequer tentavam. Criticavam e continuavam a fazer as mesmas coisas e o Egito continuava a ser a porra da "Jóia do Nilo que fascina gerações através de seus mistérios". 


Tem cliché mais escroto que isso?


Mas vamos lá: sou brasileira, nem sequer sou carioca de verdade (moro no subúrbio e nem vou à praia), tenho 29 anos e ainda estou na faculdade (entendeu o adolescente-tardia-fracassada?), mal tenho respeito em casa, imagine ousar falar de crítica metodológica historiográfica perante a toda poderosa Egiptologia mundial...


Imaginou? 


Não?


Pois eu sim.


Ser o que sou me permitiu ir além dos formalismos (des)necessários aos quais a maioria dos meus colegas de trabalho estão submetidos. Se meu trabalho não vai ser respeitado, se não vai me fazer ganhar uma bolsa, se não vai ser publicado e citado em grandes veículos acadêmicos, posso falar o que me der na telha!

Foi essa idéia libertadora, essa mudança de posicionamento que me fez chutar o pau da barraca definitivamente e pasmem, para minha total e absoluta surpresa, encontrei apoio e encorajamento. Primeiro do meu orientador, que me estimulou a questionar o universo egípcio fora da Ilha de Caras, depois de alguns indivíduos que me ouviram e gostaram, e mais recentemente de uma pessoa que, muito mais gabaritada do que eu, também se faz as mesmas perguntas.


Claro que, se você pretende questionar os outros, é bom cobrir suas bases: fiz um esforço muito além da minha capacidade intelectual e profissional para embasar cada vírgula do trabalho. Ainda assim, ele não está livre de críticas, devido ao simples fato de que nenhum trabalho acadêmico é invulnerável (e nem nunca deveriam se considerar como tal). Mas terei uma imensa satisfação se ele algum dia sequer for considerado passível de críticas, significará que ao menos fui ouvida (ou lida, no caso). São as críticas e defesas que legitimam estudos e uma discussão acadêmica se faz através de debates. Se esse trabalho ganhar algum comentariozinho sequer, já me dou por vitoriosa.


A segunda coisinha tem a ver com o início: Quando me disperso, quando procuro besteiras aleatórias, na verdade não estou deixando de trabalhar. Por mais que alimente o velho sonho de ser aquela intelectual que tem uma estante imensa cheia de livros e escreve em uma mesa atolada, revestida de uma dignidade quase palpável como o cheiro de papel velho; também preciso sair dessa moldura e repensa-la de tempos em tempos. Se o historiador se faz dos questionamentos que impõe aos seus objetos, e esses questionamentos são reflexos de seu tempo presente, nada mais justo que observar e vivenciar o meu tempo presente, cada hora de uma maneira diferente. 


Além disso hoje eu precisava falar de uma maneira clara e diferente, longe das fotinhos enigmáticas e das metáforas interpretativas. Precisava dizer que essa semana, mais tardar quarta feira, entrego o resultado de 4 anos da minha vida nas mãos de avaliadores e em menos de um mês recebo uma resposta.


A validade do que proponho será finalmente posta à prova e, mais do que me dar bem, espero saber de uma vez por todas se o que eu falo tem algum sentido. Sabendo isso, terei um ponto de partida para continuar.


Até por que, enquanto estamos aqui, em um outro cantinho de mundo chamado Wadi Bani Khalid, em um país chamado Oman, alguém lavou e estendeu na corda uma camisa da seleção brasileira.



Ou seja, o mundo nunca é da forma como imaginamos a partir de um único ângulo. 

Sempre será algo mais.



I feel so extraordinary
Something's got a hold on me
I get this feeling I'm in motion
A sudden sense of liberty
I don't care 'cause I'm not there
And I don't care if I'm here tomorrow
Again and again I've taken too much
Of the things that cost you too much

I used to think that the day would never come
I'd see the light in the shade of the morning sun
My morning sun is the drug that brings me near
To the childhood I lost, replaced by fear
I used to think that the day would never come
That my life would depend on the morning sun

When I was a very small boy
Very small boys talked to me
Now that we've grown up together
They're afraid of what they see
That's the price that we all pay
Our valued destiny comes to nothing
I can't tell you where we're going
I guess there's just no way of knowing

4 comentários:

Marcos Ceia disse...

sim, bife, fazendo comentário. O pior que duas coisas me chamaram a atenção no texto:

1) onde termina a Zona Norte e começa o subúrbio, e vice-versa? Nunca consegui entender. Pra mim subúrbio é coisa de quem mora na ZS, que Lapa já e ZN. Já tem um juízo de valor, um sub-urbe, embutido aí. Achei que fosse só Globismo msm, sei lá. (Posso falar em juízo de valor em sub-úrbio pq eu moro na roça que acha q é urbe)

2) É Oman, Omã ou Omão?

Zakland disse...

Eba, leitor novo (braaaainnns...)

Bem, vamos por partes

1) Quando falei do "Suburbio" fiz uma piadinha com um post recente de um cara chamado Bruno Mazzeo (@bmazzeo) em que ele disse "Quem não mora na praia, não é carioca" então o juízo de valor não é meu e sim dos outros. Até gosto de usar o termo, como uma espécie de pilhéria sobre a inversão de valores, já que o Méier é, antes de mais nada, um bairro de classe média. Mas não deixa de ser sub-urbe por ser periférico aos centros da cidade e se ver como tal, porém é um centro de si mesmo (o grande méier, polo concentrador).

2) Estou usando a grafia que a Mari (minha amiga que está lá e que tirou a foto) está usando. Achei meio americanizada, mas é assim que eles traduzem pro alfabeto não-islâmico.

Nana disse...

:)

Posso fazer uma pequena correção?
[Sim, eu leio o seu blog!]

O lugar em Oh, man (!) se chama Wahiba Sands - foi na "vila dos beduínos".

- Eu vi 2 omanis vestindo a camisa da seleção brasileira depois (Robinho estava escrito nas costas), eles estavam a jogar futebol - fiquei com receio de tirar fotos... E num supermercado local, também vi a camisa (Robinho, de novo!) custando algo em torno de 10 reais. Incrível. A paixão dos omanis pelo Brasil é inacreditável.

- Oman, Omã, Omão - aqui todas as placas estão em árabe e em inglês, acabo usando a versão em inglês mesmo... Até porque pelo o que me falaram, o inglês é a segunda língua omani (acredite se puder).

Beijos e adoro seus textos!

Zakland disse...

Opa! Não só pode como deve, afinal os créditos da foto são seus!

Eu confesso que fiquei na dúvida pq tinha os dois nomes no Picasa.

Ah, brigada por aparecer, SUA LINDA!

^-^