25.2.12

The Yeah Yeah Yeah Song



If you could blow up the world with the flick of a switch
Would you do it?
If you could make everybody poor just so you could be rich
Would you do it?
If you could watch everybody work while you just lay on your back
Would you do it?
If you could take all the love without giving any back
Would you do it?

Esse é mais um daqueles posts que caem no vácuo ambíguo entre meus dois blogs. Mas vamos separar o joio do trigo - se não é sobre Historiografia, fica por aqui mesmo. Começando logo de cara com a provocação da música: Você faria algum dos itens da lista acima?

Então vejamos a segunda parte da música:

If you could make your own money and then give it to everybody,
Would you do it?
If you knew all the answers and could give to the masses
Would you do it? 

Fácil responder? 

Nem simples, nem fácil.

 
Estava escutando essa música bem na hora em que lia uma discussão sobre a morte de Eliana Tranchesi. Já tinha lido vários textos sobre o assunto e escutado várias opiniões, que no geral traduziram uma espécie de mal estar entre os que a defendiam enquanto empresária e persona no mundo dos negócios da moda e os que abominavam seu envolvimento e posterior condenação judicial em um dos grandes inquéritos de sonegação fiscal do país. 

Eu nem ia comentar o assunto. Não entendo o suficiente de legislação fiscal para explicar profundamente o que houve, nem muito menos sei muito sobre a Daslu além do público e notório (Bla, bla, bla, grande templo do luxo, bla, bla, bla). Então, partindo do suposto que o caso já é julgado e que a morte dela não é decorrente desse problema, poderia deixar passar batido sem emitir opinião.

Gosto de moda e, mesmo assim, provavelmente nunca compraria lá, nem que fosse rica. Era bem claro que a loja em si não era a melhor forma de encontrar produtos de luxo. Não raro a loja era apontada como uma marca de consumo baseado no comportamento e status e não pelo valor (absurdamente alto) que cobrava em seus produtos. Todo mundo com um mínimo de entendimento sobre isso sabia que a Daslu era um estilo de vida para alguns poucos aos quais os termos economia de preço e variedade de produtos não faziam o menor sentido.

Mas ela não partiu de uma tela em branco. A loja já existia e usando sua visão - talvez por conhecer muito bem o meio em que vivia - ampliou o negócio a ponto de tornar-se uma referência e um império. Porém, como muitos empresários de visão, fez do jeito que todos nós brasileiros estamos mais que acostumados a lidar (e engolir), o famoso esquema...

Foto meramente ilustrativa
Esquema aliás deveria ganhar uma nova definição no dicionário - Conceito abstrato da sociedade brasileira através do qual se dá reconhecimento positivo a uma atividade, entendida como uma ação onde moralidade é suspensa temporariamente em um agrupamento coletivo para que cada um dos indivíduos integrantes possam atingir seus objetivos através de atalhos, sendo o objetivo final relevante e os meios de operação eticamente irrelevantes. Ex: "Tenho uma barraquinha de cachorro quente e vendo bem, mas já montei um esquema com os bróders pra vender mais". No caso do objetivo final ser atingido, ou até mesmo superado, suspende-se o questionamento ético e moral do processo, mesmo que os meios de operação continuem a ser passíveis de observância jurídica. Ex2: "Rouba mas faz." E eleva-se o indivíduo a um status superior por reconhecimento de sua visão, empreendedorismo e ação eficaz. Ex3: "Fulano é o cara. Ele manja todos os esquemas".


Então voltemos a música do início do post:  "If you could make everybody poor just so you could be rich, Would you do it?" E sim, sonegar impostos deixa alguns ricos e outros pobres, não importa quantos centavos sejam, e sim, muita gente faz e sobrevive de esquemas, principalmente os políticos que gerenciam os gastos dos nossos impostos, e não, isso não é desculpa para ninguém, muito menos para uma loja que cobrava preços milhões de vezes superior ao valor de importação e o lucro embutido, e também não, isso não tem absolutamente nada a ver com entraves de empreendedores no Brasil, nem muito menos tem a ver com os desvios de impostos na política. São problemas que convivem juntos, mas não são causas nem muito menos explicações plausíveis para qualquer desvio de centavo por sonegação.

Foi uma escolha. Simples e direta. E até onde eu soube, contínua. Perdurou por anos.

O que me motivou a escrever sobre o caso foi uma provocação: Se existe gente que chora a morte dela, será que vai haver alguém chorando, defendendo ou relativizando a morte do Sarney um dia?

Chorar a morte de um indivíduo é uma questão íntima, e quem tem ligações pessoais ou emocionais com a pessoa falecida tem todo o direito legítimo de expressar sua dor ou lamentação. Eu pessoalmente não acredito em Karma ou coisa parecida e acho que câncer não tem absolutamente nada a ver com administração de negócios. Se havia alguma pena a pagar, era a determinada pela justiça e ponto. Mas a relativização e o endeusamento, com uma certa anistia pós-morte, são discutíveis até o limite onde o legado em questão continua a prejudicar e influenciar os que vivem.

Todo indivíduo vivente sabe que vai morrer. Culturalmente e socialmente somos empurrados à idéia de que o que fica, nosso suposto legado, deve ser algo grandioso, inspirador e eterno. Talvez poucos abandonem voluntariamente a idéia de tornar sua própria existência um exemplo para existência de outros. A grande maioria abandona a contragosto. E os que chegam próximo às relações de poder e suas esferas nutrem essa ambição com mais vontade ainda. São esses que ao longo da história da humanidade constróem palácios e templos, na esperança de sedimentar fisicamente sua importância abstrata na Terra.

E não é só no Brasil que essa idéia de construir um legado vem agregada à noção de que os deslizes cometidos pelo caminho são perdoados pela obra em si. Curiosamente muitos diriam que a história demonstra isso com facilidade em milhares de exemplos, mas somos nós que buscamos na história as falhas individuais dos grandes personagens como desculpa para as nossas. Não é a toa que sendo historiadora tenho que lembrar constantemente que as condições e a sociedade são muito mais importantes do que a visão de um único indivíduo. E que se ele construiu algo, cometendo contravenções ou não, esse indivíduo negociou e dialogou com a sociedade de seu tempo, onde até a própria noção de contravenção pode ser relativa. 

As duas questões que ficam e podem ser apontadas em qualquer morte de um indivíduo notório na sociedade são: O que a obra dele efetivamente consolidou de positivo ou negativo em termos de transformação ou construção na sociedade em questão? E principalmente no tocante à retórica da anistia pós-morte, Até que ponto se reforça a noção de que só se alcança o ápice em vida através de um caminho de escolhas nem sempre corretas ou convencionais?

Pouca gente escapa dessas duas perguntas ilesa, mesmo levando em conta que não necessariamente são um julgamento moral de ações pessoais na vida privada e sim de impacto ativo na sociedade como um todo, mas ainda assim são condicionadas a opinião pessoal e deslocamento temporal.

Acho, na minha resposta pessoal, que nem Tranchesi nem Sarney escapariam das duas, ainda que a importância de cada um seja dimensionalmente diferente. Tranchesi não mudou ou transformou muito para fora de seu círculo social e talvez nem tanto dentro dele (não saberia avaliar), foi uma mulher do seu tempo e de seu meio e, restrita a ambos, fez o que qualquer pessoa em seu lugar poderia fazer, salvo escolhas pessoais. E seu legado direto, aquele que influencia a sociedade como um todo em termos de percepção, é de mais um exemplo que reforça a retórica de que só se constrói algo com subterfúgios.

Sarney é um problema mais complexo, por que sua dimensão social é mais profunda. Bem como as contravenções que o envolvem, desde questões políticas até mesmo à construção da percepção da sociedade brasileira. Mas, ainda assim seu posicionamento e suas escolhas, seu status social não resistem ao raciocínio de que se não foi responsável direto em transformações positivas por omissão, é responsável direto por transformações e construções negativas por ação direta. Ação que perdura até o momento e não foi (e talvez não seja) cessada. Nem em sua morte. 

Vale lembrar que a história não julga. Quem julga somos nós, indivíduos. Legitimos ou não no nosso direito de reclamar danos ou prejuízos em nosso cotidiano e na nossa existência. Pessoalmente me incomoda muito o endeusamento dessa retórica da morte absolvendo ações cuja conta continuamos a pagar e o impacto relacionado à sociedade, ao acreditar que o subterfúgio está no caminho da glória. Poderia me estender nos motivos relacionados a essa retórica e até mesmo nos conceitos históricos por trás disso, mas só me adianto no sentido de que a Historiografia Biográfica é e continua sendo uma análise cuja motivação é pautada nessa busca incessante de achar um álibi para erros no tempo presente e não o contrário. 

A história tem muitas funções, mas uma bem perigosa é tentar encontrar nela respaldo ou justificativa para qualquer coisa. Se existe uma maneira de mudar o mundo, contribuir efetivamente sem que se recorra a quaisquer subterfúgios econômicos, jurídicos, sociais e éticos, ela também pode ser encontrada não só na história, mas no cotidiano de cada indivíduo (sim, sou otimista) e isso, antes que alguém comente, não tem nada a ver com ações pessoais (no sentido amplo da moral) e sim com a maneira pela qual cada um de nós constróe seu caminho na sociedade em que vive.

Vale lembrar também que o subterfúgio em si não remete à grandeza. Tem muita gente que rouba e não constrói legado algum. Mas o legado não depende do subterfúgio exclusivamente, bem como não depende de prejudicar ativamente a sociedade onde se vive e onde ele é consolidado. 

Se na minha mente não há uma única justificativa que corrobore a sonegação mediante essa construção de legado, então por que ela aconteceu?


With all your power, What would you do?



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